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Trabalhadores da Cultura e os museus de grandes novidades: apontamentos sobre a atual conjuntura
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Imagem retirada do Portal do G1. |
Wagner Miquéias F. Damasceno
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Na Semana Nacional dos Museus os protagonistas foram os trabalhadores. O cenário nacional mudou desde as Jornadas de Junho do ano passado. Junho mostrou que a força da juventude e dos trabalhadores brasileiros não pode ser subestimada. De lá pra cá houve duas grandes paralisações nacionais, em 11 de julho e 30 de agosto, e inúmeras greves e manifestações populares.
O ano de 2014, ano de Copa do Mundo, começou com a juventude das periferias fazendo rolezinhos nos espaços da burguesia e deixando a grande mídia e os especialistas de plantão desconcertados. Na cidade do Rio de Janeiro, para cada repressão nas favelas surge uma reação do povo negro e favelado.
Desculpe, Neymar, mas nesse ano de Copa o gol mais bonito foi marcado pelos garis! No Rio de Janeiro, os garis tocaram uma greve histórica, enfrentando governos, patrões e seu sindicato pelego. Organizados e com imenso apoio popular, conseguiram uma vitória histórica para a categoria e indicaram o caminho das lutas para outros trabalhadores.
A greve dos rodoviários, iniciada no dia 07 de maio, conseguiu parar a cidade do Rio de Janeiro e, à despeito do que noticiava a grande mídia, ganhou amplo apoio popular. No dia 13 de maio – a data falaciosa da abolição da escravatura – houve nova paralisação, com novas assembléias marcadas para a próxima semana. Assim como os garis, os rodoviários tiveram que se enfrentar não só com seus patrões e a grande mídia burguesa, mas também com a direção do seu sindicato alinhado aos patrões.
Nacionalmente, os governos e patrões se preparam para uma verdadeira guerra. Se os serviços públicos são de terceira divisão, os armamentos são de primeira. A burguesia e seus governos enxergam a classe trabalhadora e a juventude como inimigos que devem ser encarcerados ou, mesmo, exterminados. Criminalizam militantes e movimentos sociais na vã tentativa de conter com as mãos um rio que se torna cada vez mais caudaloso.
Operários do COMPERJ, garis do ABC paulista, rodoviários, professores estaduais, servidores técnico-administrativos em educação das Universidades – professores das IFES com paralisação marcada para o dia 21 de maio – servidores municipais, servidores estaduais, servidores federais... Os trabalhadores estão indo à luta!
Afinal, como tantos cartazes diziam em Junho: tem dinheiro para a Copa, mas não tem para a Saúde, Educação e transporte?
Os trabalhadores da cultura entraram em greve, afinal, cultura é trabalho!
Um dos significados originais da palavra cultura é “lavoura” ou “cultivo agrícola”, o cultivo daquilo que cresce naturalmente. “[...] A palavra inglesa coulter, que é um cognato de cultura, significa “relha de arado”. Nossa palavra para a mais nobre das atividades humanas, assim, é derivada de trabalho e agricultura, colheita e cultivo” (EAGLETON, 2005, p. 09).
A origem dessa palavra que designa a mais “nobre” atividade humana vem de uma atividade que envolve trabalho e agricultura. Cultura é trabalho.
Atualmente, há no Ministério da Cultura “apenas, 2.619 servidores ativos integrantes do PEC-CULTURA (informação: CGPE/SEXEC/MinC). Longe de ser algo benéfico para a Administração Pública, esses fatos somente demonstram o desmonte das instituições federais de cultura, que são órgãos e instituições bicentenários, como a Biblioteca Nacional2".
As reivindicações dos trabalhadores versam sobre planos de carreira, por mais democracia na gestão, reajustes salariais, fim das terceirizações etc. Mas uma instituição, em especial, parece despontar: o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM).
Autarquia federal, vinculada ao Ministério da Cultura, o IBRAM foi criado em 2009 e em seu nascimento já dava claro sinais de esgotamento. O IBRAM conta, atualmente, com um reduzido quadro de funcionários. São 595 servidores para promoverem e implementarem políticas na área museológica, fiscalizar o patrimônio museológico, inventariar os bens culturais musealizados dentre tantas outras funções. Não à toa, o IBRAM desponta hoje como uma das instituições mais combativas nessa greve da Cultura.
O governo federal liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) dá continuidade às políticas de privatização da Cultura e precarização dos servidores federais. Cada vez mais, trabalhar em instituições públicas voltadas para a cultura tem se tornado um exercício de mendicância. Com uma mão “empreendedores” e “patrocinadores” recebem dinheiro público em forma de renúncia fiscal, e com outra atiram migalhas em forma de contratos e projetos dos mais diversos que, ao fim e ao cabo, só afundam o trabalhador em situações de crescente precarização, conduzindo a instituição num processo de degradação contínuo. A Lei Rouanet é a expressão da privatização da cultura, cerca de 70,1% dos recursos foram concentrados no eixo Rio-São Paulo no ano de 2011. Mais ainda: estão concentrados em escritórios localizados em bairros nobres dessa cidade; chegando ao escandaloso percentual de que 3% dos proponentes abocanhavam 60% dos recursos
3. No ano de 2011, a região sudeste conseguia 79,9% da renúncia fiscal através da captação.
Cumpre dizer que boa parte desse dinheiro investido na “cultura” materializou-se em espetáculos, shows e peças de teatro cujos ingressos, muitas vezes, batem a casa de centenas de reais. Para se ter uma ideia: De acordo com o relatório da Lei Rouanet de 2013, o
Disney Live! 2013 captou R$ 3.195.823,31, o
Disney Live! 2014, por sua vez, captou R$ 500.000,00. O
Disney no gelo captou R$ 1.855.122,96. O espetáculo teatral, também da Disney,
O Rei Leão, captou junto à Lei Rouanet o valor de R$ 10.506.000,00, um espetáculo cujo os valores dos ingressos variam entre R$ 50,00 e R$270,00. O
Santander Cultural captou R$ 5.545.000,00 e o
Instituto Itaú Cultural captou nada menos do que R$ 21 milhões de reais!
À guisa dos programas neoliberais implementados pelo Governo Federal, o vale-cultura surge como proposta de “democratização” da cultura no Brasil. Trata-se de um vale de R$ 50,00 destinado aos trabalhadores que recebem até 5 salários mínimos para “gastarem com cultura”. De acordo com a ministra da Cultura, Martha Suplicy, o projeto visa a tocar duas pontas: “o cidadão que vai consumir e o produtor cultural que terá mais público para sua oferta”. E entusiasticamente diz que “serão R$ 7 bilhões injetados na cultura”.
O vale-cultura alinha-se à política do tipo bolsa-família, produto da combinação do receituário neoliberal com políticas sociais compensatórias, de incorporação de um imenso setor que se torna pauperizado pela própria dinâmica de acumulação capitalista e que fica privada do consumo de itens dos mais elementares. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é uma política de elevação do nível de vida dessas pessoas, muito menos uma política de emancipação social. É uma política de incremento da economia capitalista. É o Estado injetando dinheiro na economia oligopolizada através de um setor que foi excluído do consumo das coisas mais básicas. Além disso, em 2012, o governo federal destinou cerca de 12 bilhões de reais para o programa bolsa-família, enquanto destinou quase 800 bilhões para o pagamento da dívida pública.
No tocante à Cultura o processo é similar. Dizer que serão injetados 7 bilhões de reais na cultura significa dizer que serão injetados 7 bilhões de reais num setor oligopolizado! Significa que as gigantes que controlam as salas de cinema do Brasil serão beneficiadas. Significa dizer que as distribuidoras de audio-visual que controlam o mercado serão beneficiadas. Que as grandes lojas de vendas de produtos culturais serão beneficiadas. Não é um jogo onde “pequenos produtores culturais” podem vencer.
Lutas nacionais e o compromisso dos governos
No mundo inteiro a burguesia tem tentado impor aos trabalhadores o pagamento de uma conta que é só sua. O pleno emprego, no capitalismo, é uma piada de mau-gosto. O que vemos atualmente é a precarização do trabalho se tornando cada vez mais a regra. E no Brasil isso não é diferente.
Para atrair mais investimentos e assegurar os lucros de banqueiros, empreiteiros e grandes capitalistas, o governo federal anunciou o corte de 44 bilhões de reais do Orçamento Público para esse ano em diferentes gastos sociais.
Tomando como base o Projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2014 vemos que, esse ano, a previsão é de um total de despesas em torno de R$ 2,4 trilhões do Produto Interno Bruto (PIB). Deste valor, R$ 1,002 trilhão (42%) serão destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida
4: “Esse privilégio mostra que o
endividamento é o maior problema do gasto público brasileiro, e afeta todas as áreas sociais, tendo em vista que o valor de R$ 1,002 trilhão consumido pela dívida corresponde a 10 vezes o valor previsto para a saúde, a 12 vezes o valor previsto para a educação, e a 4 vezes mais que o valor previsto para todos os servidores federais (ativos e aposentados) ou 192 vezes mais que o valor reservado para a Reforma Agrária”. Para a Cultura serão destinados pífios 0,13%.
A suspensão do pagamento dessa dívida criminosa é tarefa fundamental para fomentarmos o desenvolvimento social do país sob novas bases.
A juventude e a classe trabalhadora organizada têm um encontro marcado
Uma questão que começa se anunciar diante de tantas lutas dos trabalhadores é a seguinte: será que estamos em um novo ciclo de greves?
5De 2010 a 2012 houve um aumento no número de greves no país. Em 2010 houve 446, no ano seguinte houve 554, e em 2012 houve o pico de 873 greves por todo o país! No ano de 2012 as greves no funcionalismo público representaram mais de 46% do total no país, foram 409 greves que totalizaram 65.393 horas paradas.
Realmente, é ainda cedo para respondermos se estamos diante de um novo ciclo de greves no Brasil. Porém, é inegável que o cenário político mudou de Junho até aqui. Nas palavras de Marcelo Badaró:
parece ser fundamental compreender que uma nova onda de mobilizações grevistas, que possa recolocar a classe trabalhadora organizada no centro do debate político nacional, dependerá: por um lado, da capacidade das bases sindicais e dos dirigentes mais combativos de alargarem as lutas, através de mobilizações de massas, que envolvam os setores mais precarizados e menos organizados da classe trabalhadora, que demonstraram seu potencial de descontentamento em junho de 2013; por outro lado, de uma renovação do panorama sindical brasileiro, com a substituição de burocracias esclerosadas pela colaboração de classes por novas lideranças surgidas das greves que se enfrentam com esses burocratas. Somente com o fortalecimento de um polo sindical combativo, que estabeleça os laços necessários entre as frações mais formalizadas e as mais precarizadas da classe e se disponha a romper com os métodos e as armadilhas da estrutura sindical oficial, poderemos estar à altura do desafio (2014).
A juventude que, desde Junho, se lançou às ruas foi cobrar dos governos e dos patrões a melhoria social acenada para eles, mas que não se cumpriu.
O sociólogo Ruy Braga compreendeu como poucos essa angústia do precariado ao analisar por anos os operadores de telemarketing de São Paulo:
À procura de direitos sociais, qualificações profissionais e mobilidade sociocupacional, o grupo paulistano de teleoperadores enredou-se progressivamente nas tramas do regime despótico da indústria pós-fordista do call center, acumulando suas próprias experiências. Ao perseguir metas cada dia mais difíceis, o teleoperador com frequência transfere seu salário para o ensino superior privado, percebendo tardiamente que, ao se graduar, as oportunidades de emprego para alguém com um diploma de publicidade, jornalismo ou administração, obtido em uma faculdade na periferia, continuam no telemarketing” (2012, p. 228-299).
Os pequenos ganhos sociais impulsionados pelo crescimento econômico parecem ter se esgotado. E as características dos levantes da juventude, dos setores mais explorados e as greves dos trabalhadores que se enfrentam com suas direções sindicais parece revelar também que o lulismo dá sinais de fissuras.
Ruy Braga define o lulismo como uma
revolução passiva à brasileira apoiada na unidade entre duas formas de consentimento popular:
por um lado, o consentimento passivo das classes subalternas que, atraídas pelas políticas públicas redistributivas e pelos modestos ganhos salariais advindos do crescimento econômico, aderiram momentaneamente ao programa governista; por outro, o consentimento ativo das direções sindicais, seduzidas por posições no aparato estatal, além das incontáveis vantagens materiais proporcionadas pelo controle dos fundos de pensão (2012, p. 181).
O crescimento do emprego formal nos últimos anos significou a expansão do trabalho precarizado no país. Para se ter uma ideia, 94% dos empregos formais criados no período 2003-2013 foram de até 1,5 salário mínimo (ANTUNES; BRAGA, 2013).
De acordo com uma pesquisa realizada pela Plus Marketing, na manifestação de 20 de junho de 2013 na cidade do Rio de Janeiro, a maioria dos manifestantes estavam no mercado de trabalho (70,4%) e ganhavam até um salário mínimo (34,3%). Soma-se a isso que 30,3% dos manifestantes recebiam entre 2 e 3 salários mínimos. Ou seja, mais de 64% encontram-se numa faixa de renda que lhes impõe as experiências das carências de todos os serviços públicos em seu cotidiano (transporte público precário e segregador, saúde pública sucateada, educação pública precária etc.).
Os trabalhadores têm um encontro marcado com a juventude que aspira algo diferente de tudo aquilo que tem experimentado. Se Junho foi caracterizado por uma forte rejeição às organizações e partidos políticos – um sentimento compreensível, posto que as principais direções e organizações da juventude e dos trabalhadores
consentiram ativamente como atual modelo político econômico – o que vemos atualmente é uma gradativa reorganização das direções e das organizações de luta; uma reorganização vacilante, mas dinâmica e, de conjunto, progressiva.
A experiência com os aparelhos repressivos do Estado, com a criminalização dos manifestantes e a desqualificação das reivindicações da juventude e dos trabalhadores grevistas impulsiona uma compreensão mais elevada sobre o papel do Estado e de seus aparelhos ideológicos e repressivos.
A precarização das condições de trabalho expressa o retrocesso social que o capitalismo tenta impor ao conjunto da classe trabalhadora, incorporando setores que, inclusive, se encontravam relativamente distantes dos dramas dos mais explorados. E a juventude sente isso na pele com o encurtamento de seu horizonte de possibilidades.
Nesse sentido, a greve dos trabalhadores da Cultura deve ser compreendida nos marcos das mobilizações de Junho, não só pela luta por melhores condições de trabalho e pelas reivindicações econômicas, mas pelos nexos que possui com as reivindicações populares por melhoria e aumento dos serviços públicos. É, também, motivo de esperança ver que os trabalhadores dos Museus podem, com sua luta, anunciar grandes novidades.
Notas
1 Professor da Coordenadoria Especial de Museologia da UFSC.
2 Fonte: Parâmetros para Negociação dos servidores da Cultura. Disponível em: <http://media.wix.com/ugd/bb6b25_1936ff401a5649f097d684c5ad8fddbe.pdf>. Acesso em: 13 mai 2014.
3 Ver: http://www2.cultura.gov.br/site/2009/11/09/como-ter-cultura-se-90-das-cidades-nao-tem-um-cinema/.
Ver também: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2010-09-01/ministerio-da-cultura-quer-descentralizar-projetos-da-lei-rouanet-do-eixo-rio-sao-paulo.
4 Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida. Disponível em: <http://www.auditoriacidada.org.br/congresso-aprova-orcamento-para-2014-mais-uma-vez-o-privilegio-dos-rentistas-da-divida-publica/>. Acesso em: 13 mai 2014.
5 Ver texto de Marcelo Badaró, disponível em: <http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=2245>. Acesso em: 16 mai. 2014.
Referências
ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy. La explosión social en Brasil: Primeras anotaciones (para un análisis posterior). Nuestra America. Nº 35, jul 2013. Colômbia: 2013.
BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.
EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: UNESP, 2005.
WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave. São Paulo: Boitempo, 2011.
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